segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

O real presente....

«Um ponto importante da sabedoria de vida consiste na proporção correcta com a qual dedicamos a nossa atenção em parte ao presente, em parte ao futuro, para que um não estrague o outro. Muitos vivem em demasia no presente: são os levianos; outros vivem em demasia no futuro: são os medrosos e os preocupados. É raro alguém manter com exactidão a justa medida. Aqueles que, por intermédio de esforços e esperanças, vivem apenas no futuro e olham sempre para a frente, indo impacientes ao encontro das coisas que hão-de vir, como se estas fossem portadoras da felicidade verdadeira, deixando entrementes de observar e desfrutar o presente, são, apesar dos seus ares petualentes, comparáveis àqueles asnos da Itália, cujos passos são apressados por um feixe de feno que, preso por um bastão, pende diante da sua cabeça. Desse modo, os asnos vêem sempre o feixe de feno bem próximo, diante de si, e esperam sempre alcançá-lo.

Tais indivíduos enganam-se a si mesmos em relação a toda a sua existência, na medida em que vivem ad interim [interinamente], até morrer. Portanto, em vez de estarmos sempre e exclusivamente ocupados com planos e cuidados para o futuro, ou de nos entregarmos à nostalgia do passado, nunca nos deveríamos esquecer de que só o presente é real e certo; o futuro, ao contrário, apresenta-se quase sempre diverso daquilo que pensávamos.
O passado também era diferente, de modo que, no todo, ambos têm menor importância do que parecem. Pois a distãncia, que diminui os objectos para o olho, engandece-os para o pensamento. Só o presente é verdadeiro e real; ele é o tempo realmente preenchido e é nele que repousa exclusivamente a nossa existência. Dessa forma, deveríamos sempre dedicar-lhe uma acolhida jovial e fruir com consciência cada hora suportável e livre de contrariedades ou dores, ou seja, não a turvar com feições carrancudas acerca de esperanças malogradas no passado ou com ansiedades pelo futuro. Pois é inteiramente insensato repelir uma boa hora presente, ou estragá-la de propósito, por conta de desgostos do passado ou ansiedades em relação ao porvir.»

SCHOPENHAUER, Arthur  in Aforismos para a Sabedoria de Vida

Nunca pense por mim, pense sempre por você!

«Meu caro amigo
Do que você precisa, acima de tudo, é de não se lembrar do que eu lhe disse; nunca pense por mim, pense sempre por você; fique certo de que mais valem todos os erros, se forem cometidos segundo o que pensou e decidiu, do que todos os acertos, se eles forem meus, não seus.
Se o criador o tivesse querido juntar muito a mim não teríamos talvez dois corpos distintos ou duas cabeças distintas. Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa  altura já o pensamento lhe pertence. São meus discípulos, se alguns tenho, os que estão contra mim; porque esses guardam no fundo da alma a força que verdadeiramente me anima e que mais desejaria transmitir-lhe: a de não se conformarem. (...)
Estude ferozmente, com os dentes cerrados, empregue toda a sua força, estoire os músculos; ou você domina a filosofia ou a filosofia o domina a você: só é forte quem se apaixona; mas se você for ovelha ante os filósofos, só lhe resta um destino: o de balir. É preciso que haja no seu combate e logo nas horas de princípio um tal ímpeto de ataque, uma tal segurança de passo, que nenhuma fortaleza lhe possa resistir; empregue-se todo na sua faina, vá pelo simples à variedade, pelo especialismo ao total; ganhe primeiro uma disciplina, só depois se poderá lançar em aventuras.»

SILVA, Agostinho - in Sete Cartas a um Jovem Filósofo